Por
... E todos os dias ele lhe escrevia uma carta. Primeiro desenhava-a na cabeça, depois compunha tudo com letras e metia num papel, no computador, no telefone. Todos os dias ao fim do dia revia e escrevia-lhe uma carta. Era uma espécie de conversa. Uma maneira de o manter vivo. Já são mais de cem escritos que talvez nunca sejam lidos mas foi a maneira que ele encontrou de não o deixar morrer. Nas cartas fala-lhe como se estivessem lado a lado. Das pessoas, das comidas, dos lugares, das expectativas, do desejo... Hoje continua a escrever. Fala-lhe de tudo mas não obtém resposta. Falta-lhe a coragem. A coragem para as meter no correio ou deixar de as escrever. Não sabe a morada. Há pouco 'falava-lhe' do cheiro do outono e do que lhe lembrava um Agosto que começaria com chuva e traria à memória outros Agostos como este e outros Outonos como tantos que teriam atravessado os dois. Há, aqui ao lado, um marco do correio. Ele acha-se estranho, porque na verdade já ninguém escreve cartas a ninguém. Ele escreve. E tempos houve em que também as recebia. Debaixo da porta, em cima do armário, na parede. De perto e de longe. A última chegaria sem selo e de Paris. Está guardada ao lado destas quase cem cartas escritas. Poderão ser ridículas? Poderão. São de raiva. Desamor. Amor. São cartas que ele lhe escreve todos os dias. Uma espécie de ajuste de contas em monólogo. Escreve sem resposta. É covarde? Pode ser que sim. E talvez para se sentir protegido continua a escrever-lhe cartas. É uma maneira de se sentir aconchegado.
   
.


In. Eles! (proximamente) 

Sem tags

Blogs do Ano - Nomeado Entretenimento