… Falemos de totós. De beicinho. Da passagem do tempo. De recuar nele. Falemos de pele sem marcas e sem barba. De conjugações de roupa improváveis. De remoinhos no cabelo. Falemos da alegria de recordar. Que não há nada melhor que a memória! E por não haver nada melhor é que volta não volta abro a caixa das fotografias, os álbuns, os livros e lá encontro registos que contam pedaços de mim. De nós. Esta fotografia foi tirada num Dezembro, numa festa de Natal do infantário da Leonor. Lembro-me muito bem, como me lembro de todas. Havia sempre um espectáculo onde tinha de estar a família toda. Ela não amava totós. Ainda hoje não gosta mas eu adorava vê-la assim. Usou umas fitas encarnadas, que desapareceram pouco tempo depois. Fazia sempre isso… tirava-as, escondia-as e depois chegava ao pé de nós com as mãos estendidas para a frente e a cara de ‘não sei onde estão’. Nós já sabíamos! E por muito bem atado que o laço estivesse, saía sempre do lugar. Os laçarotes lembram-me a infância dela. Aquele beicinho, vinha de uma birra que tinha feito num momento qualquer. Ela não era muito de birras, era teimosa. Ainda é. Com conversa chegamos sempre a um bom lugar. Tinha um sinal grande no lábio inferior que com o tempo foi reduzindo e no seu tempo nos deu um valente susto. Não passou de um susto e de um péssimo diagnóstico feito por um alarmista e incompetente pediatra. Recuar assim no tempo faz-me sentir o mesmo que sentia na altura. Podem acreditar. Eu sou assim. Já não tenho é aquela pele lisa, sem barba e sem estas manchas que a idade e o sol me puseram cá para não me esquecer que já não tenho trinta anos. O remoinho no cabelo é de sempre. Nasci com ele, vem da minha mãe. Eu e todos os meus irmãos. Nunca gostei dele. Hoje também não gosto. Dificulta-me as manhãs. Não é um drama é uma realidade. Apeteceu-me lembrar esta fotografia, perceber que viajar através dela me fez sentir bem. O casaco que tinha vestido é hoje do meu irmão Pedro, a camisola de riscas comprei-a para uma festa de anos minha (imaginem o grau de bom gosto) e hoje está também no armário do Pedro. Os olhos da Leonor são os mesmo sempre atentos a tudo à sua volta, os meus estão também iguais. Apesar de mais marcados pelo tempo, estão postos nos nela.
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