... Hoje sonhei contigo! Sonhei que na cama ouvia ao longe o som das tuas gargalhadas na praça da casa da avó. Sonhei e acordei contigo muito presente como se te sentisse o cheiro de acordar. Vais perceber com o tempo o que te digo, que cada pessoa tem um cheiro ao acordar. Sonhei e fiquei com os olhos meio húmidos porque tive saudades tuas... Não fui a casa no fim de semana nem tivemos aquelas férias que te tinha prometido este ano, mas sei que te andas a divertir à farta! Sonhei e apeteceu-me dizer-te que se não estou ai agora para irmos juntos tomar o pequeno almoço ao Café da Fernanda onde comes apenas a parte do meio das torradas, é porque não posso. Sei que tu és muito sabichona, que entendes tudo. Muitas vezes dizes que és a mais feliz mundo e nessas alturas acho que tudo tem valido a pena. Não estou ai para te mandar desligar o computador, cortar as unhas, lavar os dentes ou baixar o som da televisão. Não estou porque não posso. Nunca não estive só porque sim. Poucas coisas me darão tanto prazer como o teu sorriso desalinhado por um dente que não quer romper... Um dia, meu amor, vais perceber que todas as escolhas foram feitas em tua função. Mesmo que à primeira vista não pareça. A minha felicidade depende da tua e só te faço feliz se estiver, ou tentar estar porque sempre soube que há lugar para tudo, desde que tudo esteja no seu lugar e nos traga felicidade. Estás a ver o armário de cubos no teu quarto? A vida pode ser assim, só avança com tudo arrumadinho... Sei que vais ler isto enfiada no computador dos tios, mas ainda não vais entender. Um dia, quando te for passando a Cândida felicidade dos nove anos, mantendo-se felicidade e mudando apenas os estados, vais perceber que todas as vezes que não dormimos na mesma cama, não fomos juntos ás compras, não te arrefeci a sopa, não te cortei a carne. Todas as vezes que, contra a vontade da mãe, não estava ai para te fazer todas as vontades e te deixar comer o que querias, sempre que não estava para te aconchegar a manta a meio da noite ou ouvir uma conversa tua, não foi porque não quis estar meu amor. Foi porque a vida quase aos quarenta tem umas coisas diferentes da vida aos teus nove anos. Mas mesmo nesses dias quando não estou, estou! Isso eu sei que tu percebes... Nem que seja em sonho minha filha tão amada. E por isso é que hoje sonhei contigo e com a tua alegria espalhada na praça da vila. Eu sou o pai mais feliz do mundo porque a vida me deu um presente chamado Maria Leonor! Hoje não vais ligar muito a isto. Vais rir com os tios, com os primos, com a avó, com a Lurdes, com a mãe. Vais questionar-me ao telefone, mas daqui a uns anos vais perceber muito bem o que sinto aqui onde estou acabadinho de sonhar contigo e com vontade de ir dividir uma torrada ao café. Talvez um dia alguém se lembre de publicar isto num livro e ficas com isto guardado para mostrar aos meus netos, quando eles tiverem nove anos que o avô, ás vezes não estava. Mas estava sempre. Como estão os teus avós todos! Um beijo meu amor!
Eu, pai!