… Gosto do silêncio do Domingo. De o ter para mim e fazer com ele o que quiser. O Domingo é assim uma espécie de dia que não serve para coisa nenhuma, pode ser um massacre. Eu não gosto dele mas, se tiver de o ter, que seja em silêncio. Não gostando de Domingo, gosto dele cheio de nada. Só cheio das coisas que me apeteça meter lá dentro. Hoje é Domingo. Frio! Apetece chá quente, esplanada com o vento a cortar a pele. Sabem aquele sensação da chávena a escaldar que nos vai aquecendo as mãos que estão geladas e se entrelaçam uma na outra com a chávena quente pelo meio? É disso que gosto. Estou a escrever isto sentado num banco de jardim no Príncipe Real sozinho, agarrado ao telefone, que é o nosso melhor ‘amigo’ no dia do amigo, quando não há ninguém por perto. Vejo casacos compridos, coloridos, gorros, cachecóis enormes enrolados em pescoços que não se viram por coisa nenhuma. Há muita gente a passar de um lado para o outro, as esplanadas estão quase vazias porque está frio. Muito frio. As pessoas não olham umas para as outras. Atravessam-se na vida uma das outras, mas não param para se verem. Têm vergonha! Parece que têm vergonha. Olham-se e seguem. Não acho bonito. Mas eu faço o mesmo. Estamos tão acostumados a não fazer nada que esta coisa estúpida de estamos entregues a nós no Domingo pode ser complicada, porque de repetente, sem se perceber, uma Terça-feira qualquer pode ser um Domingo destes. Queremos mais qualquer coisa, mas estamos cercados de medos e receios que não nos deixam ter o que queremos ter. Naturalmente vou ao cinema daqui a pouco. Gosto de caminhar a pé pela cidade, há sempre coisas interessantes para ver e, se tiver os óculos comigo, não raramente acabo numa sala de cinema. Gosto muito de ver filmes no cinema. Não gosto de os ver em casa. Sabe-me melhor numa sala de cinema. Durante aquele tempo vivo uma história que não é a minha, sem interrupções. Depois falo dela, penso nela, crio uma paralela… deve ser assim com toda a gente. Apetece-me gelado. Não gosto de pipocas no cinema, mas adoro gelado. Grande e frio. Depois, encosto-me na cadeira e fico ali durante o tempo que a história durar. As mãos estão geladas do copo do gelado. Mais logo, no regresso a casa imaginarei conversas com pessoas que espero ter durante a semana, imaginarei lugares onde tenho de ir durante a semana, farei listas de jantares que tenho de dar durante a semana… estamos tão acostumados a não fazer nada que na maioria das vezes não é nada feito, porque um não quer, outro não pode, outro acha cedo, um diz que é tarde e, acomodados, cada um à sua vida, vamos transformando a semana num Domingo frio. Para onde estamos a levar a vida? Não saberia responder se alguém me fizesse essa pergunta hoje… As minhas mãos estão frias. Vou guardar o telefone no bolso, e deixá-las lá dentro uns minutos. Preciso que fiquem mornas.
Leiam também um destes artigos:
SUBSCREVER E SEGUIR