O amor não dói!

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Há quatro anos que Carlos não vive. Passa os dias na esperança de acordar de uma mentira, de um pesadelo ou de uma história que não é a dele e que alguém teve a audácia de escrever. Apaixonado, Carlos sempre foi um homem bonito. “Bonito demais para os teus 45 anos!”, como muitas vezes lhe diziam. Hoje está uma sombra do que foi. A beleza física continua lá, mas a pele está baça, os olhos estão tristes, as costas curvadas, os braços sempre caídos, as pernas andam sem rumo… A casa onde vive seria um sonho, se não se tivesse transformado num pesadelo. Carlos, vivia num pequeno apartamento perto da Avenida da Liberdade em Lisboa, e foi perto de casa que se apaixonou. Apaixonou-se como nunca o tinha feito em toda a vida. Não foi uma paixão à primeira vista, porque costuma dizer que não acredita nisso, mas foi a certeza de que o amor existe e estava ali, ao virar a esquina da Rua Garrett, onde esbarrou com o amor e com o punhado de livros que ele trazia na mão “desculpa!”, enquanto os dois apanhavam toda a tralha do chão. O amor era estudante de Belas Artes na Faculdade. Tinha 24 anos, “novo demais para mim…”, pensou Carlos no momento em que lhe fixou os olhos… Não seria por isso, nunca foi, “o amor não tem idade!”, dizia Carlos muitas vezes, “vai explicar isso ás pessoas para ver o que te respondem…”, brincavam entre os dois.
Nunca, o amor de Carlos tinha sido assim. Violento e avassalador, uma coisa de vida ou morte. Só se sentia vivo se a seu lado ouvisse a respiração do amor. Na cama, na cozinha, na sala, no elevador, nas escadas… jurou muitas vezes que não devia seguir aquele impulso, que se tornou numa paixão tão forte que o levou rapidamente a sucumbir a tudo o resto à sua volta. Carlos apenas vivia para amar. Até hoje, não sabe se valeu a pena. Muitas vezes que sim, e outras tantas acredita que não. Nos domingos arruma gavetas que estão arrumadas de domingo para domingo, porque já não há quem as desarrume. Vê fotografias, vídeos e lê cartas. Carta de amor, “há tanto tempo que ninguém me escrevia uma carta, a caneta…!”, exclamou quando recebeu a primeira. Depois tornaram-se numa rotina. Aos 45 anos, sempre acho que um amor teria que ser sereno, calmo, tranquilo e divertido. No começo foi, “os domingos eram tão divertidos!”, mas com o tempo passou a ser violento no pior sentido. O correio não entregava cartas, o telefone não dava sinal de mensagem, o relógio rodava sem parar exibindo um irritante som de “tic-tac” para que não se esquecesse que o tempo anda em frente e cada segundo avançado, é um segundo perdido. Carlos amava perdidamente. Acho que ainda ama… Tantas e tantas vezes, se lembra das vezes que arranjou espaço no seu pequeno apartamento para as tralhas de arquitectura que não lhe pertenciam, tantas e tantas vezes, esvaziou as gavetas dele para ter espaço para roupas novas e mais frescas. Hoje Carlos é uma réstia de esperança. Não acredita em paixões à primeira vista e acredita ainda menos no amor. Há um ano, a 14 de Fevereiro, passeou de sorrisos rasgados e muitos sonhos com o António, por quem se tinha apaixonado ao virar a esquina. Aquele dia estava a ser diferente. António, no alto dos seus, agora 29 anos, não respondia aos olhares cúmplices de Carlos. Já não mostrava certezas em relação ao futuro. Carlos, ainda apaixonado, deixou-se levar uns tempos… tentou acreditar. Nesse 14 de Fevereiro Carlos entregou um cartão a António, como o fazia todos os anos, mas ele esqueceu-se, “ainda me lembrei, mas estava tanta gente a fila, estava cheio de pressa… desculpa!”. Mentira. Esqueceu-se, ou pelo menos não acho que seria importante. Carlos ficou sentido, engoliu em seco, “não faz mal. Eu entendo!”, e deu-lhe um beijo, muito de raspão no canto da boca… algo se passava. Há quatro anos atrás, os dois teriam tido ali e naquele momento uns minutos largos de acesa paixão parada apenas quando ambos sentissem a força do orgasmo. Anoiteceu, passaram mais umas semanas, e num domingo, igual a outro qualquer, Carlos resolveu arrumar gavetas, que estão quase sempre arrumadas. Quando quis arrumar as de António entendeu que algo estava errado. De dentro de um livro, um poema escrito a tinta permanente evidenciava um interesse recente, “obrigado! Adorei a tarde. Adorei o relógio do dia dos namorados. O nosso primeiro dia!”… Até hoje, Carlos não sabe quem escreveu o bilhete. Se um homem, uma mulher, ou um pássaro. Sabe que partiu uns dias para fora, a correr e que em cima da mesa da cozinha junto com o bilhete descoberto, lhe deixou outro,
“Sempre me disseram que não devia confiar. Mas confiei. Não me arrependo, vais arrepender-te tu um dia quando com a minha idade entenderes o que fizeste e o que perdeste. Pode acabar-se uma relação, mas convém fazê-lo como um homenzinho. É pedir-te muito? Talvez seja, mas eu sei que merecia. Quando voltar, quero as gavetas vazias. Tão vazias, como me deixaste a alma”.
Não assinou. Não deixou um gesto de carinho. Foi-se embora para o hotel mais próximo. Voltou a casa, três dias depois. Não respondeu a uma mensagem, não viu o mail durante semanas, nem se atreveu até hoje a ler a carta que António lhe deixou em cima da mesa quando abandonou a casa. Apagou fisicamente tudo o que o rodeava. Não sabe, até hoje se António está ou não feliz, mas sabe que lhe mentiu. Que no dia em que não teve tempo para lhe comprar um cartão de dia de namorados, perdeu tempo com alguém com quem passou o dia. Carlos não desculpa. Não teria que o fazer? Não sabe. Até hoje não sabe. Por isso, há quatro anos que não vive. Que perdeu a alegria de viver, quem faz isto é porque continua apaixonado e muito ferido. Aos 49 anos não acredita que volte a encontrar o amor, mas lamenta profundamente que o seu ultimo, lhe tenha feito tanto mal. Carlos não merecia, “o amor só faz sentido pela dor que dá, é por isso que falam tanto nele…”, disseram-lhe um dia. Ele prefere acreditar que “quando magoa, não é amor. O amor não dói!”
Cláudio Ramos

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