… O segredo do vizinho (A propósito do Louro José)

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… Há dias morreu o Louro José. Quem gosta de televisão, nomeadamente dos programas que se fazem durante o dia, talvez saiba quem era o actor Tom Veiga. O Tom era o corpo e a voz que dava vida ao papagaio Louro José que a apresentadora Ana Maria Braga inventou há muitos anos, para conquistar a audiência infantil. Eu sempre fui fascinado pela ‘química’ que Ana e Louro tinham um com o outro. Na verdade eu sempre fui fascinado pela forma como Ana Maria Braga faz os seus programas. Queria perceber como funcionavam por dentro e um dia, num gesto de pura aventura e alguma inconsciência meti-me num avião e fui perceber. E percebi muito do que ali se fazia na Globo no ‘Mais você’ e aprendi. Eu aprendo só de ver e ouvir. Foi nesta aventura que conheci pessoalmente o Tom Veiga. Falamos pouco. Lembro-me de o ver sentado na secretária e tentar imaginar aquele corpo – na altura muito franzino – na voz que ouvia todos os dias na televisão. Pode parecer estanho, mas Ana Maria Braga fez com que um boneco manipulado por um actor se tornasse no seu parceiro de televisão durante mais de vinte anos e conquistasse a credibilidade de todos. Impressionante é pensar que toda a gente ia ao programa e falava com o boneco com a mesma verdade com que falava com a Ana. Tinha o mesmo espaço, tinha a mesma atenção e tinha o mesmo crédito. Na despedida, a apresentadora diz que sente uma coisa ‘meio maluca’ de falar como se o Louro José existisse mesmo. Eu sentia o mesmo e a maioria dos que o seguiam sentirá igual. O Louro era um boneco com alma humana que ficará para sempre na história da televisão brasileira e fez parte da dupla mais amada num dos programas de maior audiência. Respeitaram-se um ao outro e isso só os engrandece, mais a Ela, claro, que sem medos se entregou à sua própria criação e percebeu a mais valia que era. Por isso acho que muitos profissionais de televisão, que vivem afogados no próprio ego deviam tirar uma lição disto. A televisão é um meio lixado, bonito por fora, quando é feita para o público a pensar nele mas muito feia por dentro quando é usada para massajar egos e vaidades. A generosidade em palco é uma das mais bonitas lições de vida que alguém te pode dar na profissão. Quando fiz o ‘Vizinho’ da Cristina só resultou tão bem, porque a Cristina não teve medo de me dar espaço. Só resultou tão bem porque eu não lhe queria roubar o espaço que era dela no programa dela. Quando acontece química em televisão sem medo, sem receios, sem atropelos nem ânsia de protagonismo é poesia para o espectador é orgulho para quem trabalha com o objectivo de servir o publico e não por vaidade pessoal. Sei que muita gente não entende isto. Nem as grandes estrelas, nem as mais ou menos, nem as que começam agora e acham que mais importante é ter um stylist, uma maquilhadora, um camarim, o nome na ficha técnica… e depois olha-se para o alinhamento e lá pelo meio pensa-se no espectador. É feio. Mas é uma realidade que se vive na televisão, uma realidade com a qual não compactuo. Eu quero ser lembrado aqui com um profissional do caraças mas acima de tudo como uma boa pessoa. Já fiz muitas duplas, já gostei mais de umas que de outras e é normal. Tudo isto para vos dizer que quando fiz o vizinho da Cristina, o Louro foi uma ‘escola’ (foi dali que vieram as anedotas e as adivinhas no meio do nada). lembro-me de ver a química que o Ele tinha com a Ana e pensar ‘se eu conseguir metade disto é ótimo!’. Consegui mais. Conseguimos muito mais. Conseguimos fazer magia improvisada em directo todos os dias. Isso ninguém me tira. Porque fomos de facto muito bons a fazê-lo. Nunca me escreveram uma linha. Nem a mim nem à Cristina. É importante que se diga isto. Funcionou por nós não por um guionista. Funcionou na entrega ao espectador. Confesso, aprendi muito, muito no improviso que o Louro e a Ana Maria faziam todos os dias para fazer o ‘Vizinho’. O Tom tinha 46 anos foi encontrado morto em sua casa no Rio de Janeiro. Eu tinha-lhe carinho. A notícia deixou-me triste.

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