… Os meus 46 (Aquela reflexão básica)

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… Sou dos que gosta de celebrar as datas e de lhes dar importância. O dia dos meus anos é a minha viragem do ano, muito mais importante que o réveillon. Não sou um fã de surpresas mas gosto de fazer festa, de ter gente à volta, de receber mensagens, parabéns, presentes, atenção… Mas também gosto (muito) do silêncio que escolho para estes dias. Sei que é contraditório, mas, por opção, neste dia raramente atendo o telefone, não vejo as mensagens e, se responder, faço-o mais tarde. É dia de festa, mas também de reflexão. Sempre! O meu lado mais apurado (que será também o feminino) é o de estar constantemente a tirar a temperatura a tudo. Faço-o com frequência, não seria diferente no dia em que assinalo 46 anos. Olhando para trás, e em traços muito largos, tenho a vida que escolhi. Faltam-me coisas, mas tenho tantas outras boas que acho injusto pedir seja o que for. Acredito que Deus, o Universo e os seus enviados à terra terão ainda coisas muito boas reservadas para mim, que serão concretizadas com um forte empurrão desta força de vontade que tenho e que herdei da vida. Estou contente com ela (com a vida), mas de vez em quando sinto uma espécie de frio que se instala dentro com a falta do quente que não se compra na loja mas, em abono da verdade, devo dizer que sempre achei que seria o preço a pagar. Vou andando e disfarçando, rindo num lado e outro, mas no fundo sabia que o preço a pagar seria o tal frio que de vez em quando se instala, que não chega a arrefecer-me, porque há tanta coisa quente e boa a acontecer-me que o que preciso é olhar para elas e valorizar cada uma de forma preciosa. A cada ano gosto de fazer coisas que me superem, que me desafiem, que me marquem. Gosto de me fazer presente, de olhar para trás e perceber que cresci a todos os níveis, e este ano não foi diferente foi o ano onde me meti (meteram) à prova profissionalmente. Ser escolhido para morar na casa ao lado da Cristina e entrar lá dentro constantemente deu-me e notoriedade que não me deram todos os programas que fiz até aqui num caminho que já tem 20 anos disto, mas acentuou-me a responsabilidade de que gosto e que chega sempre em doses extras quando vamos crescendo com o trabalho, ou o trabalho connosco. Este ano mudou a minha vida profissional e a forma como muita gente passou a olhar para mim. Mostrei que era capaz de estar ao lado, de construir um lugar, de saber estar nele e segurar nele quando fosse preciso. Percebi o que se queria. Entendi o ‘vizinho’ como talvez o tivessem imaginado na cabeça quando a casa estava ainda no papel e de repente ‘Ele’ existe todos os dias ali, olhos nos olhos com a dona da casa, numa casa que é de todos com um vizinho que todos queremos ter na porta ao lado, é o que me dizem. Foi este ano que me deu o ‘vizinho’ e me trouxe a vizinha. Foi e é uma construção diária que junta com outras coisas boas fizeram desde ano, um ano de muito trabalho, muitos projectos, muita realização, coisas construídas pessoal e profissionalmente. Assim vale a pena olhar e perceber que os doze meses que passaram não foram em vão. Cresci muito, apreendi umas coisas e ensinei outras, tenho a certeza! Perdi algumas coisas, porque eu sou da opinião que quando se escolhe se está sempre a perder qualquer coisa. Desiludi-me com pessoas, mas ‘descobri’ outras. Estou mais assertivo, selectivo, mais rigoroso mas menos caprichoso, menos cheio de mim mas continuo a achar que tenho os olhos verdes, porque continuo teimoso, apaixonado, vaidoso, a amar o azul escuro, o cheiro a torradas, a cama feita de lavado, o café acabado de tirar, a casa a cheirar a limpo, um restaurante com pouca gente, uma esplanada ao fim do dia, férias em lugares que me são confortáveis, vontade de conhecer gente que não me conhece mas que acha que sim. Aos 46 anos continuo a achar que o Alentejo será sempre o meu lugar, que jantar em casa com amigos é muito melhor que no mais luxuoso restaurante, que falar de tudo e mais alguma coisa com eles é a melhor escola que podemos ter, que confiar um segredo a alguém é o maior sinal de que se gosta, que há várias maneiras de gostar sem que se atropelem umas às outras. Que fazer televisão bem feita é como respirar e alimentar o respirar de outra gente que precisa dos nossos sentidos para lhe fazer sentido. Mas aos 46 anos continuo a não saber falar Inglês como gostaria, continuo a demorar muito a adormecer. Continuo a não gostar de falar nas primeiras horas do dia, porque me recuso fazê-lo antes de ter os sentidos alerta. Continuo com a certeza que o silêncio me faz tanta falta como a água, que os banhos são excelentes para ter ideias e sei que continuarei indeciso na hora de escolher a refeição, continuarei a detestar praias cheias de gente, trânsito, filas, carne de porco e vaca, cheiro a batatas fritas, pipocas no cinema. Continuo resmungão, disciplinado, rigoroso, profissional, com pouca capacidade de delegar porque acho que dificilmente alguém faz melhor que eu e continuarei a lidar melhor com a critica do que com o elogio. A minha paciência é menos agora que o ano passado e não gosta nada de ser posta à prova. Aos 46 serei melhor amante que até aqui e o melhor namorado que se pode ter, porque amar é um estado de alma que se alimenta até que o outro chegue e beba dele quando está esfomeado de sede ou só tem vontade de humedecer os lábios. Aos 46, continuo a piscar os olhos para a fotografia em forma de defesa, a fechá-los quase completamente quando me pedem para rir, já comecei a gostar dos meus dentes mas continuo sem gostar da minha voz nem das minhas pernas. Este ano continuarei generoso, amigo, cavalheiro, bem disposto, divertido e com uma capacidade estranha de lidar muito bem com os grandes problemas e, por outro lado, de me deixar derrubar apenas com um gesto ou uma palavra fora de tom de uma pessoa de quem gosto ou aprecio. Não sei como será daqui para a frente, mas até agora acho que a melhor reflexão que posso fazer é que sou um tipo porreiro, contente com este ano, feliz com o crescer da minha filha, apaixonado pelos dias de Outono, porque as cores do chão e o cheiro da terra são maravilhosos nessa altura, por cerveja de garrafa, Lambrusco fresco mas não nego que apanhei um desgosto quando descontinuaram o gelado de menta. Resta-me o de chocolate preto, continuo a gostar de arroz de pato, mas não comi uma única vez este ano, apaixonei-me pelas rabanadas do ‘Oficina’ no Porto que nos lembram o Natal mas podem ser comidas no Carnaval. Também gosto de queijadas e também não comi. Também gosto de bolo de arroz e não comi. Percebe-se aos 46 que todos os dias o corpo nos mostra qualquer coisa nova. Que a pele começa a ter dificuldade em manter-se no lugar certo, que os cabelos brancos nos dão charme mas nos inquietam, que uma boa alimentação é obrigatória, que a consciência social tem de ser uma prioridade, que o ginásio é fundamental e que sem disciplina nada disto se consegue. Parabéns a mim, que apesar de ser muito complicado, tenho uma tecla que descomplica tudo. Chama-se verdade. Acredito que bem usada, a verdade é meio caminho andado para não se complicar nada e não decepcionar o outros. Verdade, gratidão e algum sentido de humor que me leva a acreditar que cantar pode ser uma saída. Porque gosto de cantar. Como gosto de dançar. Sei que continuarei a fazê-lo, fora de tom e no passo errado. Uma espécie de risco calculado que não faz mal a ninguém. Viver com risco faz falta, a vida sem risco –  como disse há tempos a minha Mateus – ‘é uma folha em branco’. Acho que quando temos uma folha em branco, há urgência em preenchê-la. Vou fazer por preencher estes 46 anos com tudo. Obrigado por não me falharem! Vocês, cada uma à sua maneira, fazem parte da folha, até mesmo aqueles que pela primeira vez escolheram não enviar uma mensagem, não dizer nada. Até esse abraços em falta ajudam a preencher um ano. Ou uma folha em branco. Uma amiga disse-me ontem ao jantar ‘quanto maior é a Nau, maior é o tormento’. É exactamente isso que sinto.

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