… O outro dia, a manhã acordou cinzenta. A cheirar a Outono. O tempo avançou de repente no calendário, porque ainda não é Outono. Eu não sei se gosto deste avançar de tempo, porque com ele percebemos que, há qualquer coisa que fica para trás. Claro que à medida que o tempo avança, paramos para pensar e chegamos à conclusão de que estamos melhor, sabemos mais, temos história, mas que nos falta qualquer coisa. Pode acontecer não conseguirmos identificar o quê, não encontrarmos a peça que falta, e resta-nos esperar que o tempo faça o seu trabalho. Mas há casos em que detetamos imediatamente o que falta, porque falta. Sabemos exatamente o que queríamos muito ter agora, como tínhamos aos 20, 30 ou até aos 40… Todos sabemos que o tempo avança e por isso andamos desenfreadamente à procura de suplementos, de uma alimentação melhor, de cuidados com a hidratação… Achamos que podemos retardar os sinais que nos vão dizendo que a nossa fase é outra. Eu sei qual é. Tenho-a espelhada todos os dias. Sinto-a na pele. Resolvido isto, vem o pior. O pior é o resto. E o que é o resto? A memória. As memórias. O que fica para trás… não gosto de perceber isso. Não gosto de perceber que há tanta coisa que já não tenho, que já não faço, que já não quero, que já não gosto. Mas que tinha, que queria fazer, que antes não vivia sem. Passados os 45 é definitivamente a entrada noutra fase. A fase da saudade e da insatisfação, porque, por um lado, já não somos jovens, por outro, ainda somos jovens para sermos velhos… A fase em que a minha filha se torna adolescente, eu deixo de ser (por enquanto) prioridade na sua vida, que os amigos fazem as suas vidas cada vez mais longe da nossa, que as decisões são tomadas cada vez em maior solidão. E em que os domingos se tornam piores domingos, por critério, porque é preciso descansar para a semana, ou desespero porque o telefone não toca com um convite que nos faça deixar o sofá, porque não nos apetece andar sozinhos a divagar na rua com o ar desenfreado de quem está muito feliz, porque já não é preciso provar a felicidade a ninguém. Ou se é, ou não se é! Parece que neste momento não há meia felicidade. Ou está toda a gente muito feliz à nossa volta, ou muito infeliz. Gostamos cada vez menos de mais coisas, porque à distância tudo nos parece menos do que podia ser e muito exagerado quando vivido por outras pessoas. Acho que a barreira dos 45 podem ser uma espécie de “pré-adolescência” da maior idade, onde brigamos com o mundo porque queremos ter muitas mãos para agarrar tudo até lá chegarmos. Somos, a esta idade, aquilo que a vida fez de nós? Ou somos o que quisemos ser? Esta é a verdadeira questão. Os que já por aqui passaram arriscam-se a pensar na resposta, porque depois dos 45 não é justo deixarmo-nos ir. É fundamental que o caminho seja definido por nós. Se for errado, teremos tempo de nos arrepender. Pior seria olhar para trás e perceber que não o fizemos, não termos nada do que nos arrependermos. É a realidade a dar de caras com as circunstâncias que a vida construiu para nós. Tudo isto, porque hoje a janela do quarto amanheceu pingada da chuva e me fez pensar na vida… olhar para trás. Como se fosse no carro, a ver a paisagem passar no retrovisor. Já vos deve ter acontecido.
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