… Esta pessoa existe. Esta pessoa está muito grata aos momentos que vive nesta altura. De vez em quando, revolta-se com ele, com aquilo em que acredita, fica aborrecido, chateia-se com o mundo, reclama das horas, do tempo, da roupa, das contas, do trânsito, mas esta pessoa sabe que é uma privilegiada. Tem essa noção. Apesar de achar que está magro nuns lugares e com gordura noutros, de entender que é só parvo não se dedicar a aprender Inglês, de adiar as aulas de dança, de continuar a insistir que o cinema é bom só ao Domingo, que o gelado de chocolate negro não faz mal ‘porque é chocolate negro’, esta pessoa sabe que exagera nas queixas e nem sempre dá muita importância ao que realmente importa, porque o que importa em certo momento, deixará de importar daqui a dias. Esta pessoa, a cada dia que passa percebe que o cabelo curto é o que mais o favorece, que ir ao ginásio deve ser olhado com disciplina, que mudar a alimentação é imperativo, que arranjar tempo para estar com pessoas de que gosta é uma prioridade que não consegue encaixar porque se atropela no resto e em pessoas que gosta mais ainda. Esta pessoa sabe que o Alentejo deve manter-se num canto secreto, que umas calças de ganga, uns ténis e uma camisola branca é a maneira mais prática de estar na moda, que ver novelas repetidas pode ser perder ou recuar nele por prazer. Esta pessoa, acredita piamente nas pessoas até que elas mostrem o contrário e da mesma forma que acredita com a força toda demora a fazê-lo e sabe que é complicado para os que habitam o seu pequeno mundo, porque esta pessoa é estranha por dentro e por fora. O mundo desta pessoa é mais simples do que se imagina, porque o deseja quieto, tranquilo, sossegado… Esta pessoa que aqui está, não sabe o dia de amanhã, mas hoje tem a certeza que a vida, com as voltas que deu, foi generosa com ele e com a sua força de acreditar. Esta pessoa gosta de chorar a ouvir música, de escrever, de descer e subir ruas ao acaso, de estar em esplanadas a fazer nada, de ler poesia, de viajar, porque de cada viajem, de cada lugar, de cada estada traz uma coisa nova agarrada à pele que fica para sempre e que não compra em lojas. Esta pessoa gosta do silêncio que só consegue em casa, das gavetas arrumadas, de pensar como foi o dia, de falar sozinho, de criar conversas e imaginar o que sairiam delas. Esta pessoa que tatuou ‘sem expectativas’ no braço, sabe que sem ‘ela’ não se faz quase nada. Porque importa fazer com a expectativa. Saber que se faz. Crescer com o feito, mesmo que mal feito, porque esta pessoa que aqui está, sabe que só se consegue alguma coisa se alguma coisa for feita. Se não hoje e agora, que se espere o momento certo, porque os anos deram a esta pessoa a capacidade de ler a importância do tempo.
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