… Londres do poeta para o leitor!

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… Há muito tempo atrás li, na Bertrand do Chiado e por acaso um poema de Manuel A. Domingos sobre Londres. Até aí nunca a cidade me tinha despertado um arrepio. Esse poema deixou-me o coração ao pé da boca, porque há sempre algo que tem que se dizer mas que não se diz. Por medo, por orgulho, porque não, porque faltam as palavras, porque se interpretam mal… Apeteceu-me naquele momento dar um ‘abanão’ ao poeta e dizer-lhe para chegar mais cedo, ou perder o autocarro… Londres ficou ali. Fechado num livro que nunca comprei, num poema que li e até hoje me ficou na memória. Londres voltou a cruzar-se comigo em esplanadas ou momentos cúmplices onde se planeava a sua visita. Visita adiada. Ou porque era tempo de sol, ou porque era tempo de outra coisa qualquer. Mas as cores ‘sem cor’ de que o poeta falava estavam-me na memória e a minha vontade de as sentir de perto também, mas aconteceram outros planos. Há sol no resto do mundo e há outras cores. Há algum tempo uns amigos meus marcaram uma viagem a Londres. Disse-lhes que sim, que ia. Marcada com tanto tempo, no momento que lhes disse que sim, estava a pensar não ir. Paguei a viagem. O poema nessa altura voltou-me à memória, mas com ele voltou o momento em que o li, com quem o li e o plano que veio logo depois sentado numa cadeira de ferro. Os amigos, de vez em quando, sem saberem tocam-nos num lugar arrefecido. Pensei não ir. Não seria boa companhia, não era assim que queria viver os versos do poeta… Há pouco mais de uma semana resolvi que sim. Que deveria ir, perceber se Manuel A. Domingos tinha ou não razão. Meti três camisolas numa mochila, 250 libras e fui com eles. Honestamente eu acho que eles nunca pensaram que eu fosse. Eles não me conhecem. Mas o poeta também não me conhece e ‘obrigou-me’ a ir… fui. No momento que pisei Londres percebi o poema. O tempo que estive lá e olhava disfarçadamente para tudo, para não chamar demasiado a atenção, vivi o poema. No hostel onde fiquei e assim que consegui ter internet procurei o poema para reler…  Li e percebi que é incrível, como alguém que não nos conhece nos descreve tão bem. Há autocarros que nunca deviam partir e amigos que deviam ter – mesmo sem querer  – a sensibilidade de não nos deixar perder o autocarro. Foi Londres! Onde também vi um carrossel de luzes, onde disfarcei a vergonha por trás da câmara de um iphone, onde passei frio. Muito frio e caminhei à chuva. Onde percebi outra vez que o tempo tem a sua importância e que os autocarros partem à hora marcada. Foi Londres onde escrevi um poema, e não me esqueci dos versos porque um bloco de notas no telefone faz milagres. Um poema. Pode ser que alguém, algum dia o leia e sinta o mesmo arrepio de emoções que eu senti quando li ‘Londres’. Deus queira que vá a tempo!
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LONDRES
nunca cheguei a escrever um poema sobre
a cidade ser à noite um carrossel
de luzes. nem outro sobre
a fotografia onde fiquei com ar
envergonhado. ou sobre o frio e
o passeio por Hyde Park, onde
pássaros vieram comer às tuas mãos
e eu deixei fugir alguns versos
só para te poder fotografar. ou sobre
a casa estilo vitoriano, que prometeu
ocultar todas as palavras que dissemos
um ao outro, quando ao deitar
nos encolhíamos debaixo de
vários cobertores e mesmo assim
tínhamos frio. ou o definitivo,
aquele que falaria sobre Greenwich
e o meridiano que me ensinou a importância
do tempo que sempre falta, principalmente
quando numa das pontes quis dizer amo-te,
mas havia um autocarro para
apanhar. e era já o último.
De Manuel A. Domingos
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