… O sonho de Anabela!

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… E andamos todos a correr numa luta desenfreada para chegar a um lugar qualquer que não sabemos exactamente qual, e pior ainda, não temos a certeza se seremos felizes lá. E andamos nós a brigar uns com os outros por coisas mais ou menos pequenas e com a importância de coisa nenhuma atarefados a reclamar do mundo, quando no mundo existe a Anabela. Anabela, a menina que sonhava ver o mar, adora animais e queria ter como presente uma afia lápis. Talvez das histórias mais bonitas que vi nestes quase vinte anos de televisão. Uma menina de seis anos, com toda a inocência do mundo espelhada nos olhos convencida que o seu mundo não podia ir além dos seus três amigos. Os seus três cães e uma rotina baseada em estar na ombreira da porta e a brincar no campo com pedaços de coisas que encontrava enquanto entretida via os animais. Anabela foi ‘descoberta’ por uma generosa amiga que procurava um cão perdido e deu de caras com a menina de semblante carregado de esperança e alguma inquietação. Perguntou-lhe o que precisava e a Anabela respondeu ‘uma afiadeira, por favor!’… quisemos conhecer a Anabela. A maria levou-a ao mar, ao jardim zoológico e ficou encantada com ela e nós todos vivemos um pouco da Anabela, que acredito mesmo veio ao nosso programa para nos ajudar a fazer uma lista de prioridades a sério. Quando acabou o programa, percebemos logo que há coisas fora do lugar nesta luta desenfreada que temos onde andamos cada um a olhar para o seu umbigo e só de vez em quando levantamos a cabeça para ver o que se passa… a Anabela é o espelho de uma menina que via as estrelas através do telhado de zinco do seu quarto, mas que merece mais como todas as pessoas, como todas as crianças. A Anabela não reclamou nunca da vida que tinha porque apesar das sérias dificuldades em muitos aspectos tem o amor dos pais e da avó que a esmaga de beijos e abraços. A Anabela não pediu nada, nós é que fomos insistindo para perceber até onde ia a sua vontade… sentir a Anabela emocionar-se porque escuta a mãe dizer que não lhe dá mais porque não consegue, é de partir o coração. Estamos a falar de uma menina de seis anos que deveria nesta altura ter a vida toda almofadada em tons rosa e sorrisos uns atrás dos outros com coisas boas nos seus dias. Não reclamou, não pediu, não se queixou. Apenas se emocionou… foi a sua emoção que nos derreteu a todos. Porque foi verdadeira e involuntária. Os olhos pequeninos ficaram gigantes quando viu o mar, a timidez foi desaprendo quando a Maria se deitou no chão com ela. O sorriso apareceu, e a gargalhada escutou-se… Meu Deus do céu, acredito mesmo que esta ida ao programa e este passeio que a Maria fez com a Anabela ficam para sempre na historia da vida desta menina que nos foi ali parar porque queria uma ‘afiadeira’. É um mundo tão estranho este onde andamos feito tontos e parvos a brigar por um lugar para estacionar, a reclamar porque temos um confinamento que nos obriga a horários e algures aqui tão perto uma menina quer apenas uma afia para afinar a ponta do lápis, para escrever coisas que tem na cabeça nos intervalos de brincar com os seus cães. É muito por estas coisas que fazer televisão no chamado daytme tem o valor do ouro antigo, porque é o espaço que estas pessoas têm para mostrar ao mundo que existem e que os mundos não são todos iguais, que apesar de existir uma constituição que para as crianças a teria que salvaguardar e proteger, o mundo e quem vive nele se esquece, passa à frente e nem se importa se a Anabela, ou outra como ela, tem lápis para escrever sonhos porque o que importa é o dele. O egoísmo faz de nós pessoas frias e más. Por isso é tão importante levar histórias destas à televisão. Perceber que há mais mundo além do nosso e entender o privilegio que muitas crianças têm porque nunca sentiram necessidade de ter o lápis por afiar, porque de tantos lápis que têm, nem devem saber o que é uma afiadeira. Ser não fosse por mais nada, fazer o ‘dois às dez ‘ já nos tinha valido a pena, porque demos a conhecer ao mundo a Anabela. E que lição de prioridades ela no deu.

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