… Off Line (só porque sim)

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… Vou contar-vos uma história. Há uns dias resolvi, por livre vontade, isolar-me do mundo e ficar sozinho. Offline, sem internet, sem telefone, sem contacto com o exterior. Precisava parar e ouvir-me. Há coisas que me disse que nunca tinha dito. Já as teria pensado, mas não as tinha dito. No correr do muito tempo, há uma altura em que deixamos de gostar de nós, olhamos por olhar e nem sequer conseguimos ver, ou melhor dizendo, não nos conseguimos apreciar. Eu precisa voltar a ver-me, perceber quem eu era e onde vim parar. Não vou mentir e dizer que descobri respostas para tudo. Pelo contrário. Acho que vim de lá com a cabeça mais baralhada das respostas que não tenho às perguntas que fui fazendo. Nós não nos conhecemos, não temos a certeza do nosso interior, nem da nossa força. Fazer isto foi um enorme esforço pessoal. Eu estou muito acostumado ao meu mundo e ao meu ninho. Fui sempre assim. Não sei se pelo passar do tempo, se por um estado de alma, custa-me descobrir um canto novo onde me apetecia estar e voltar. Há tempos que não me levanto da cama com vontade de uma descoberta. Não é que isto seja necessariamente mau, porque na prática apetece-me descobrir, mas não tenho força para o fazer. Talvez preferisse ser descoberto, que alguém me agarrasse pela mão e me dissesse, hoje o caminho é por aqui, por aqui, por aqui… não sei. Talvez seja mais isso. Foi uma mensagem que tirei deste meu ‘retiro’. Hoje acordei, meti-me no carro e percorri caminhos que faço a pé tantas vezes e que me são tão colados à pele. Custa-me muito passar por eles. Custa-me estar em alguns lugares onde já estive, porque parece que me falta o ar. Assumir ao mundo uma ou outra fragilidade não faz de nós mais fracos que os restantes, faz-nos mais verdadeiros, se entendermos que é verdade o que sentimos. De carro, devagarinho, com o vidro baixo consigo ouvir os sons de outra altura, os barulhos e, se respirar mais profundamente, acho que alguns cheiros me invadem a memória. Voltar a lugares que fazem parte da nossa vida é importante. Nem que seja para os fechar e percebermos que não estão iguais. A minha vida é muito agitada, muitas vezes não tenho sequer tempo de perceber o caminho que estou a fazer, ou porque o estou fazer. Não sei dos outros, mas eu muitas vezes deixo-me ir com medo de não ir. Como se, se não fosse naquele momento, já não voltasse a ir. Não se vem diferente de uma ‘higiene espiritual’, que eu não acredito nisso, mas pelo menos durante aqueles dias percebe-se que somos aquilo que escolhemos ser e que resultamos das escolhas que fazemos. O pior – e aqui é que está a maior lição – é que pela pressa das escolhas que temos de fazer no dia-a-dia, embrulhados na arrogância, no orgulho, no sucesso, na expectativa de mais e melhor, o resultado daquilo que somos não é exactamente o que gostaríamos que fosse, porque não foram escolhas feitas à cautela. Com cautela. Foram escolhas feitas pelas circunstâncias de não haver tempo para pensar sobre elas, ou de simplesmente não haver escolha. Ou era ou era. Mais nada! No carro, que segue a velocidade lenta com o vidro aberto, consigo perceber pelo retrovisor que a vida tem o tempo do instante. Ali, onde estive sozinho, o tempo parecia maior. Apetecia-me telefonar a pessoas a quem não telefono há muito tempo, apetecia-me mandar uma mensagem… não tinha telefone. Não podia fazê-lo. ‘Vives agarrado a um momento onde a tua vida parou’, disse-me o Mestre, uns dias depois de me conhecer, sem nem sequer se falar muito sobre o assunto. O poder da mente é uma coisa lixada. Ali, tudo fazia sentido, aqui, quando olho para trás e vejo a vida a esvair-se pelo retrovisor de um carro, fico com a sensação de que a realidade é esta. Que o momento é agora. Ou já não é.

 

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