… Olhai as flores do campo!

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... Quando falo da minha terra faço sempre a distância em tempo. Mais em tempo que em quilómetros. Parece que fica mais perto. Menos longe. Mais quente. Há alturas em que estou duas semanas sem ir à minha terra, sem pisar as minhas pedras, sem ver a minha gente na terra da minha gente. E quando passa esse tempo sinto uma ansiedade que se explica por saudade ou apenas falta, ainda não se descobriu. Sinto falta. Dos meus, seguramente, mas os meus podem vir aqui. Posso falar com eles. Podemos encontrar uns e outros a meio do caminho ou noutro caminho qualquer, se for caso disso. Eu sinto muita falta da minha terra. Da minha casa. Da minha gente sentada na porta de casa, encostada ao parapeito da janela ou assomada ao postigo. Eu sinto falta do barulho baixinho que se faz nas ruas e do tempo vagaroso que quase não passa por elas. Eu sou assim. Não sei se sou diferente. Sempre fui assim. Muito ligado à terra porque sempre tive claro que sou o que sou porque percebi cedo que nunca poderia virar as costas nem à terra nem ao que ela me ensina. Quando vou no caminho, ganho-lhe o sotaque, o peito fica mais leve, respiro melhor e entra uma paz tranquila que me alegra. Eu gosto da minha terra. E gostaria de outra terra qualquer, de um lugar que fosse, sempre que esse lugar fosse o lugar que me viu crescer e testemunhou tudo a meu respeito. Tudo. É importante vermos a nossa memória, não nos podemos esquecer que muitas vezes nem a memória conseguimos guardar. Há alturas que é preciso vê-la. Conheço pessoas que não têm terra nem lugar. Acho que não conseguem entender o que é “ir à terra”, deixar a terra, ver a gente da terra sair e voltar. Ver as pessoas ficarem porque gostam, porque não podem sair, porque envelhecem ano seguido de ano sentadas todas as tardes, as tardes todas no mesmo banco na praça onde está o café central. Eu não gostava que me roubassem as pedras da rua mesmo que já esteja alcatroada, porque por baixo estão as pedras e nas pedras estão as pegadas das pessoas que vão fazendo a nossa vida. Não imagino a dor que fica quando não se pode voltar ao lugar que nos amarrou a vida toda, até porque não há outras cores assim. Estas são as cores que ficam mesmo que um dia deixem de existir. Não há outro respirar assim. Este respirar fica sempre, mesmo que deixe de se respirar um dia. Há um dia onde se juntam as cores ao respirar e fazemos de conta que estamos aqui. Mortos e pasmados pela cor que encontramos num final de dia no meio de uma estrada que está no meio do nada. Não há mais cores destas. Não se compram, não se vendem, não se inventam, não se fabricam com misturas. Não há, porque não há muitos lugares como este onde as cores parece que foram pintadas ali pelas mãos da Natureza. Aqui a Natureza é mais Natureza, porque é mais respirada, mais sentida, tem cores mais bonitas e está escondida. Podia ser uma pintura, mas é apenas uma fotografia, tirada com um telemóvel no meio do nada. É isto que vemos quando resolvemos desacelerar.

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