… Sobre fotografias em papel!

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… Sou muito de coisas que nos avivam a memória. Sou, por exemplo, muito de fotografias em papel. Nesta altura de incêndios, uma das primeiras coisas que me lembro quando alguém perde as suas coisas, são das memórias que ficam queimadas.  Há uns anos entrevistei uma senhora que a única coisa que salvou de um incêndio foi a sua fotografia de casamento… para Ela era muito. Estava ali espelhada a sua vida. O antes e o depois… Eu entendo, porque eu sou dos que ainda gosta de os ter em papel. É um bocado nosso e da nossa história, onde voltamos sempre que queremos. Chamam-me antigo por isso. Pode ser que sim. Gosto desta maneira antiga que tenho de ser… Porque quando olho para cada retrato que tenho em casa, e tenho muitos, sinto-me numa viagem que faço por aquele momento. O momento do registo. Consigo lembrar-me do cheiro, do que falava e pensava, muitas vezes imagino-me novamente na situação. Dá-me saudade. Tenho milhares de registos digitais, mas não sinto que seja a mesma coisa. Não os vejo quando quero e não fazem parte da minha rotina. Não estão numa estante, num lugar, não me fazem recuar tantas vezes quando passo por eles de forma imediata. Não é a mesma coisa. Por exemplo, hoje cedo acordei e dei de caras com esta fotografia que tenho algures na casa do Alentejo. Rapidamente fiz uma viagem, porque quando olho para esta fotografia, vejo nela um punhado de vontades que tinha na altura e que se começavam a tornar verdades. Tinha os olhos muito abertos, assim como os tenho hoje. Eram arregalados, amendoados, um castanho que, de vez em quando, fica meio verde como vos contei o outro dia. Acreditam que me lembro perfeitamente do meu amigo Nuno – hoje conceituado foto-jornalista da agência Lusa- me ter feito este registo. Era para enviar para um casting, mais um do muitos! Naquela altura os olhos estavam pouco marcados pela idade e pelo tempo, mas eu já sonhava ter rugas à sua volta e por isso apanhava sol com eles fechados com muita força. Era uma criança. Achava que tudo era para sempre ao mesmo tempo que pensava que nunca mais chegava. Agora que olho para esta fotografia com atenção, e apesar de ter tudo mudado muito, reconheço que a imagem tinha esperanças dentro, antes do tempo ir acabando com elas. Ficaram os olhos muito abertos à mesma, hoje, já com as riscas que o tempo lhes trouxe. Estes olhos, grandes e meio desorientados, já viram neste tempo tanta coisa que basta que se fechem ao de leve para que se humedeçam com as lembranças. Foram alegres, extasiados, tristes, humilhados, ofendidos, orgulhosos, medrosos, corajosos, envergonhados… São os meus olhos. Abertos. Muito abertos e marcados, a quem de vez em quando vão roubando a capacidade de brilhar. Sou antigo ou tenho ‘alma velha’ como me dizem? Pode ser que sim. Gosto desta maneira antiga que tenho de ser. Ás vezes acredito que devíamos ser mais antigos. Faz-nos falta!…

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