… O outro dia, era domingo, escrevi na internet sobre ‘Os prazeres do comércio tradicional’. Sou dos que faz as compras na mercearia do bairro, compra a fruta no senhor da esquina há anos. O mesmo senhor. A mesma esquina. A fruta nova todos os dias. Era domingo. Escrevi porque naquele domingo cedo tinha saído de casa para fazer as compras da semana. Sem me dar conta parei a pensar na alegria de termos as coisas ao pé de nós, na nossa rua, no nosso bairro. Aquele onde as pessoas sabem quem somos, sabemos o nome delas. As que discutem o preço da fruta e a frescura da hortaliça. As que sentem falta quando não aparecemos durante algum tempo. As que levam sacos de pano ou dos outros dobrados em quadradinhos muito pequeninos. As que se encontram de propósito como se fosse sem querer. As que mudam a cor das vestes consoante a sina da vida. As que foram filhas, mães e que vão agora com os netos. Os que foram pais, maridos, avós e que vão agora sozinhos meio desorientados porque a vida lhes roubou metade… estas coisas pensadas a troco de nada, devem fazer-nos pensar na ordem de prioridades porque quase sempre no mundo corrido passamos pelas coisas como se estivessem sempre ali à disposição. Não é verdade! Alguém as coloca ali para que o nosso dia seja mais prazeroso e faça mais sentido. O que escrevi podia ter sido uma simples frase ou desabafo mas recebi centenas de mensagens de pessoas que se identificaram, porque de certa forma o prazer do comércio tradicional é o prazer de dar valor ao que temos, que muitas vezes nos chega mas pensamos sempre que precisamos mais. O afecto de quem se cruza connosco na frutaria do nosso bairro não se compara ao melhor atendimento que posso ter a melhor frutaria do mundo num lugar onde nunca nos viram com corredores por onde andamos entre tanta de gente com a cabeça debruçada sobre um telemóvel seguro numa mão enquanto a outra empurra um carrinho. Ás vezes achamos que o normal é isso. Está-nos tão entranhado dentro que já não estranhamos que não nos digam ‘bom dia!’ ou não nos peçam desculpa por chocarem connosco. Tenho medo desses costumes que nos levam o melhor de nós convencidos que a modernidade pode chegar com direito a tudo. A modernidade só faz sentido se tiver qualquer coisa de clássica. Digamos que gosto de uma casa estilo antigo com peças de arte moderna. Tudo junto faz sentido pode ser só o exercício do gosto de quem decorou a casa ou a história que foi crescendo entre paredes e por si só, entre o antigo e o moderno, deixou que vivessem felizes entre si. Passamos vezes de mais pelas lojas de rua sem lhes dar a atenção que merecem. Vejo muitas vazias, cheias de coisas para vender e vazias de quem as queira comprar. Não me venham com a história do progresso. Há espaço para todos, desde que tenhamos consciência de que tudo nos faz falta e felizes. O teatro não acabou com o cinema, O cinema não acabou com a televisão, a internet não matou a caixa mágica nem os digitais mataram o papel. Talvez exista menos espaço para cada prazer, mas há espaço. Temos de os querer manter na nossa vida. Temos que querer sair de manhã e achar que a frutaria da esquina está ali aberta desde a madrugada para que fruta e hortaliça fresca seja exposta em caixas para que quando passemos por ela tenhamos a vontade de entrar comprar e levar para casa. Enquanto o fazemos ficamos a saber uma novidade do bairro, ouvimos pela décima vez um queixume, percebemos que alguém enviuvou, que a alegria estampada no rosto de certa compradora é porque a filha veio passar o fim de semana a casa, entendemos que as mãos que apanham a fruta, que a colocam na balança, no saco, a carregam para casa, a lavam e a preparam são as mesmas que durante uma vida inteira subiram e desceram a rua onde a loja da fruta está e com o tempo e aos poucos se foram curvando sobre ela. Não por respeito, mas porque muitas vezes a idade nos obriga a olhar para o chão… É só isto. Para mim, aconteça o que acontecer, a felicidade está sempre em valorizar os detalhes que teimamos em dar como adquiridos. Pensemos nisto.
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