… A Raquel (Com a voz toda costurada a emoção)

Por

… Passavam cinco minutos da hora marcada. Coliseu dos Recreios em Lisboa cheio. Silêncio absoluto. Entrou a voz… Fez-se mais silêncio, apenas para a escutar interrompida muitas vezes pelos aplausos espontâneos de uma plateia que não resistia a manifestar o que sentia, quando Raquel sentia o que cantava.  Cada palavra saída de dentro, cada verso engomado a novo, todos os tons sublinhados com os trejeitos da mão e a mão que tremeu quando agarrou com a força toda o xaile da grande Beatriz da Conceição. As lágrimas de Raquel, que não tiveram vergonha de saltar dos olhos, quando os olhos deram de frente com um público emocionado de pé, a pedir o regresso da fadista ao palco. Não contei o tempo, mas seguramente mais de dez minutos de aplausos contínuos depois de Raquel se despedir. Já vi muitos concertos. Já ouvi muito fado. Gosto muito de fado. Deste fado que me sabe a tradição e às ruas estreitinhas e gosto da novidade e da capacidade da renovação. Um e outro, dentro de um e de outro. Gostei da autenticidade no contacto com o público. Foram talvez duas horas de canções tão bem embrulhadas pelos músicos que a acompanham sempre e pela Sinfonietta de Lisboa. Que coisa tão bonita de ver, que coisa tão arrepiante de ouvir. Raquel apareceu de branco, desceu uma passadeira igualmente branca. Sem exageros de cenários nem de adereços. Bastou-nos o luxo da voz. O primor de cada palavra. O respirar de cada um de nós que estava na plateia. As mãos uma na outra que tanto nos servem para rezar no dia-a-dia, como para pedir naquele momento que continuasse a cantar. O silêncio a contrastar com o ruído de um Coliseu quase a vir abaixo, depois de se dar de caras com tamanha forma de vida que a Raquel deixou no palco. Nunca vi nada assim. Obrigado, Raquel! Que concerto do caraças!

 

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