… Quando me olho ao espelho, gosto de perceber nos olhos que já vivi coisas que os marcaram em tempo suficiente para gostar agora menos de ver as linhas que os contornam. Gosto do meu cabelo branco, mas não gosto que com a idade ele fique frágil e eu tenha que o cortar com frequência. Não gosto do meu nariz, mas gosto de perceber que é por ele que me entra o cheiro da vida que tenho e gosto de respirar fortemente para valorizar a mecânica da respiração que muitas vezes damos como garantida. Na verdade, quando olho ao espelho percebo que o tempo valorizou muito aquilo que sou, e que sou muito mais daquilo que o espelho mostra, porque os olhos quando olhados profundamente são o reflexo de uma vida que há dias – por causa dela – que quando olhados ao espelho perdem brilho, mas o bom de ter espelhos é perceber que no dia seguinte o mesmo espelho pode refletir uns olhos mais esperançosos. Não somos só o que vemos ao espelho, mas o que conta para muita gente é esta imagem que vemos refletida… se para a maioria das pessoas o que conta é isso, é porque não entendem que o espelho é mais do que um objeto de decoração que temos em casa. É preciso coragem para o encarar. Encarar de verdade, não só para pentear, maquilhar ou ver se a roupa fica bem.
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