… Diogo Infante emocionou-se no ‘Dois às dez’ quando a Maria lhe perguntou do menino de 17 anos que deixou o Algarve. O que lhe diria Ele hoje, sendo um homem de sucesso e feliz … Emocionou-se. Notei-lhe saudades nos olhos. Eu também tenho saudades do antigamente. Tenho saudades, não que seja saudosista, até porque estou numa fase muito feliz a minha vida, mas de vez em quando olho para o lado e já lá muita coisa do que estava e me fazia feliz. Não estão tantas pessoas que fizeram parte de mim, não estão a Rumba nem o Espinete, os cães da minha infância, não está a piscina improvisada no alpendre da casa grande onde no verão nos molhávamos com mangueira, não está o Perdigão, do talho onde comprava chouriço de cordel, nem o primo Agapito, onde comprava as minhas revistas de televisão. Não estão a dona Teodora nem o senhor Joaquim, no café da vila, não está a dona Maria Saloia, que me viu crescer na escola. De vez em quando, chego a ter saudades da altura em que a luz em casa nos aparecia com candeeiro a petróleo, onde tinha horas para chegar e para sair, saudades dos domingos a limpar o quintal grande que era “maior do que a praça”. Tenho saudades da praça como era antigamente. Sem pedras de calçada, de terra batida e onde cada banco era um palco. Saudades da escada grossa de entrada na escola onde fazia o estúdio de rádio e de fazer o caminho até ao tanque das Fontanas ou ao regato da Pias. Não que seja saudosista, mas não devo ser o único que tem saudades de quando a novela era às oito e meia, o jornal durava meia hora certa. Saudades de ver gente a conversar em casa, na rua, nos cafés… Havia sempre conversa para ter, porque não havia aparelhos modernos para desviar o assunto. Preocupávamo-nos com o que pensavam de nós os vizinhos e amigos, e não o resto do mundo, como agora, porque transformámos as aplicações numa coisa imprescindível na nossa vida. Tenho saudades de brigar por um berlinde e não por ver quem tem mais likes numa foto, de me rasgar no chão aos encontrões, de estar em cima das árvores só porque sim e achar que era uma grande aventura, ou assar um chouriço no campo e ficar ali com copos de vinho e amigos muitas horas de muitas noites… As noites demoravam a passar o tempo que uma noite tem e às vezes até mais. Hoje, não. Hoje, a noite atravessa-se no dia e o dia atravessa-se em nós. Tenho saudades de quando não se atravessavam as coisas umas nas outras. Na verdade, tenho saudades de quando tínhamos menos coisas para que umas roubassem às outras tempo. E estamos secos de tempo. Cuidado! É preciso dar tempo ao tempo, porque corremos o risco de perder muitas coisas enquanto ele nos atropela nesta ansia despertada de nadar desenfreadamente para um lado qualquer. Acho que podemos de vez em quando boiar. Apenas boiar.
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