… Os filhos são talvez – ou de certeza – a única coisa que nos orienta como uma bússola em dias assim. ‘Dias assim’ não têm significado nem poderiam ser descritos porque ninguém os entenderia. Cada um vive o seu dia e sente o que se passa com ele de forma diferente e seria muita arrogância da nossa parte querer que todos à nossa volta o sentissem como nós. Deu-me agora no peito uma vontade grande de correr e comprar um saco de pipocas a troco de 1 euro na feira de São Mateus onde todos os anos levo a Leonor. O outro dia no programa da Cristina falávamos de festas, romarias e afins. Toda a vida fui homem e romarias e afins. Deixei de o ser aos poucos. Não há uma razão, há dias que acordamos e pensamos que por um motivo ou outro ir comprar o saco de pipocas já não faz o mesmo sentido. Eu sou um bicho raro de entender no que toca a coisas que me marcam a memória. Esta terra batida, o cheiro farturas, o barulhos dos carroceis, as luzes da igreja iluminada, as pessoas que se cruzam connosco. Umas que falam, outras que não, umas querem falar outras não queremos nós. A vida é isto. E a vida num lugar pequeno ainda é mais isto. Aqui estou eu, algures em 2007 com a Leonor num passeio pela feira. Eu com os olhos postos nela, que daria os primeiros passos em segurança, ela com os olhos no saco de pipocas que pedia sempre e que eu comprava sempre. Comia meia-dúzia e o resto voltava para casa que alguém haveria de comer o que sobrava. Depois uma volta num carrossel. Um algodão doce de onde tirava três ou quatro pedaços e passava para alguém comer o resto. Depois os pés cansados. Os sapatos desapertados. O sol que ia desaparecendo ao fim da tarde de Setembro, depois o regresso a casa ao colo e a história para contar todos os dias durante muitos dias e que eu, que já vos disse sou raro nestas coisas, escuto num imaginário em dias como este, em que precisamos muito de perceber que temos uma missão por cá que se sobrepõe a tudo o resto. Quem tem filhos sabe a importância de os ver andar em terra batida com um saco de pipocas na mão quase maior que os sonhos que temos para eles e bem maior do que a vontade que eles têm das pipocas. ‘São mais olhos que barriga’. Dizia sempre mas comprava sempre. Gostava sempre de me vestir em tons como os da Leonor. Aqui estamos de azul, mas temos em encarnado, verde branco, amarelo… temos tudo. Eu era assumidamente piroso com a minha filha e por mim continuaria a meter-lhe laçarotes no cabelo e voltaria ali, àquele tempo em que ainda me cabiam nos olhos os passos que dava sem ter de apressar o passo a não ser para a proteger de um queda. Não era mais que isto. Apetecia-me partilhar esta fotografia que encontrei, e como acho que nada é por acaso e está nela um saco de pipocas, pensei: ‘talvez seja um sinal, de que o realmente importante está aqui’. Não nas pipocas, mas em quem as segura com força convencida que esvazia o saco. Ainda hoje gosta de pipocas. São feitas ao serão em casa da avó, para ver um filme e misturadas entre o doce e o salgado. Hoje já não sobra nenhuma pipoca na tigela. Eu, ainda hoje eu visto azul escuro e passei a detestar bonés.
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