… A apaixonante conversa de Dolores (Na capa que não me apaixonou)

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… Li duas vezes a entrevista que Cristina Ferreira fez a Dolores Aveiro. Li de corrida, assim que comprei a revista, enquanto bebia café, e li depois com calma, sossegado e com tempo no meu canto no Alentejo. Até porque uma conversa destas faz ali mais sentido. Estamos a falar de raízes. Devagar, para saborear cada palavra e tirar de cada frase aquilo que se pretende e o que tem de se tirar para além do que está escrito. É assim que olho para grandes entrevistas. Juntei a entrevista ao editorial que Cristina escreveu e tirei as minhas conclusões. Gostei do que li, gosto da franqueza com que Dolores responde, e da proximidade com que Cristina pergunta, algumas vezes sem perguntar. Gosto da maneira descontraída e quase bruta com que muitas vezes Dolores responde às coisas, sem mediar a importância que cada resposta tem ou o eco que poderá vir a ter. Dolores é assim, foi assim que há anos a conheci no Algarve, é assim que as filhas a definem e, pelo que se vê nesta conversa, é assim ‘há mais de 50 anos’. Humilde e próxima dos seus. Acho que a vitória de Dolores é o amor. O amor ao filho Cristiano, que todos conhecemos, mas aos outros também, que bem o enaltece na entrevista, e aos netos, e a alguns amigos. O amor e a esmerada educação que lhes deu. Sabe, porque já tem idade para isso, e a inocência já lá vai, que há quem se aproxime por interesse. Tira-lhes a pinta à distância e olha de alto para os que se julgam maiores e melhores que ela, mas olha de frente para aqueles que a acham menor, porque consideram que é ‘apenas’ a ‘rica mãe de Cristiano’. Ajuda quem entende que deve ajudar e desfruta agora daquilo de que já poderia desfrutar há muito tempo, mas que a cabeça da Dolores de agora pensava como a de ‘há 50 anos’ e não deixava. Complicava porque não é um chip fácil de mudar. Gosto dela e de a saber gostar de ser feliz à volta de um tacho a temperar para muita gente. Como se diz na minha terra, a mãe não deixou nada por dizer. Falou dos netos, da surpresa de Cristianinho não ter mãe, de como o sente como seu filho, da namorada de Cristiano, que ainda não é nora, da expectativa que o mundo tem em relação ao casamento do craque, e mandou o mundo ‘esperar sentado‘. Falou mais e disse muito sobre si, sobre a sua infância. Sobre recuar muito tempo e sentir na pele a morte da mãe, quando se precisa tanto de colo; mostrou a rebeldia de uma menina traquina, falou do afastamento dos irmãos, das surpresas do sexo, da violência no casamento. Revelou que muitas vezes a vergonha a fez estar calada. Falou e disse. Aposto que Dolores, quando leu pensou: ‘não devia ter dito tanto’. Aposto que os filhos devem ter dito ‘Mãe, esta parte não era preciso’. Mas também sei que os netos, um dia quando crescerem e derem de caras com a revista numa gaveta, vão pensar: ‘Epá! Nós tínhamos uma avó cheia de força e história dentro dela!’. Antes que me crucifiquem, eu sei que existem muitas Dolores no mundo, com guerras iguais e com tormentos semelhantes. Mas esta Dolores deu à luz a alegria de muita gente, e isso faz dela especial.  Eu vejo-a assim. Não sei se adoro a capa. Não! Não adoro. Não gosto de a ver tão produzida, tão cheia de coisas com as quais não se identifica nem a identificam a ela e a afastam do mundo que a torna tão igual ao resto do mundo, mesmo não sendo. Entendo a ideia, o conceito, mas não gosto. Pode perder-se o conteúdo tão bom na ilusão de uma capa tão luxuosa. Dolores não precisa. Dolores vale por si, um valioso colar ao pescoço não a torna mais rica, mais bonita e nem mais verdadeira. Foi mais uma malha de Cristina que mudou a rumo da história desta conversa, como fazem os que se atiram de cabeça para dar o melhor e fazer diferente, correndo o perigo da ausência de rede. Digam o que disserem, tem o dom da surpresa. Pode fazer o que já se fez, mas faz diferente. Não me importo de o dizer publicamente, porque é assim que o sinto. Gosto muito disso.  Disso e de comprovar, no seu editorial, que Dolores tem um humor muito dela, de que Eu já tinha falado, mas que as pessoas não conhecem. Porque se metade de Dolores é amor, a outra metade é muita timidez. Parabéns!

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