… A propósito!

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… Quando era criança, nunca ninguém me explicou que o mundo não seria almofadado. Cresci muito depressa. Fiz-me bem-disposto, porque não entendo a vida de outra maneira. Vamos crescendo e, aos encontrões, perce- bemos que o que deixa de nos fazer crianças não é o calendário. É a força com que a vida se agarra a nós e decide fazer o que quer. Imaginem um boneco de trapos nas mãos, que o sacodem de um lado para o outro sem dó nem piedade… É isto que a vida nos faz. Não há tempo para nos explicarem que é demasiado cruel deixar de ser criança quando não nos tornam o cami- nho mais fácil. Devíamos ser crianças muito tempo. Talvez sempre. A idade da inocência é a mais feliz, mesmo quando achamos que pode não ser. Acre- ditamos mais, logo, somos mais felizes. Sabemos menos, logo, somos mais felizes. Eu defendo que os ignorantes são mais felizes. Somos sempre mais felizes quando ainda acreditamos em alguém ou alguma coisa. Em criança, nunca me avisaram que um dia ia deixar de acreditar. Não se pode cortar assim, a meio, aquilo que pensamos do mundo. Nem me disseram isso nem me explicaram que ia aparecer gente que me maltrataria, que iriam aparecer situações com as quais não conseguiria lidar, que ia ter contas para pagar, agenda para cumprir, ou que, quando crescesse, iria ter de construir uma máscara para enfrentar a idade adulta com a mesma verdade com que a ima- ginava em criança. Ainda assim, não me zanguei com a vida nem tenho sau- dades de ser criança. A vida é demasiado feroz para me zangar com ela. Iria perder a batalha. Tenho a certeza. Em criança não sei, mas sei que, quando crescemos, pagamos uma fatura muito alta assim que trocamos as voltas daquilo que a vida tem para nós. Nem é uma coisa de destino, é uma coisa mais forte que nos custa pagar. Custa muito. Há uns que não a pagam, são caloteiros, há outros que pagam a fatura com juros, porque são de fiar. Quem confia sofre mais, paga mais… Talvez seja mais feliz por ter as contas em dia. Um dia, havemos de saber isso, hoje fechamos os olhos e imaginamos que temos almofadas com cores, balões cheios de ar, desenhos animados na televisão, barulho de crianças na rua, calças rasgadas, joelhos esfolados, boca suja de chocolate… depois abrimos os olhos, e logo se vê.

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