… Depois de muitos dias voltei ao meu canto. Por pouco tempo mas voltei. Neste processo todo em que me encontro agora, do meu Alentejo, é do que sinto mais falta. Todos temos o nosso canto. Há alguns meses falava com uma companheira de trabalho sobre o facto de termos a nossa ‘terra’ e a importância de lá voltar. Voltar no Verão, que começou agora, voltar nas festas religiosas, assistir à procissão do padroeiro, visitar a família, ver a casa antiga onde brincámos quando éramos miúdos, rever amigos, mesmo que agora sejam só conhecidos…. Esta conversa em mim é constante porque eu procuro sempre as raízes. As minhas que não me deixo esquecer delas e as dos outros, e por isso lembro-me agora que há uns anos, falava com uma pessoa que me era muito querida e contava-lhe que o meu futuro seria no Alentejo. A pessoa estranhou, depois, com o tempo, entendeu que eu tinha razão. Era ali que me via. É ali que me vejo. No Alentejo, existe um ar que pouca gente tem o privilégio de respirar. É um ar mais saudável. Mais calmo, sereno, apaziguador. Na altura, a conversa era sobre o futuro, os pais, os projetos, a confusão da cidade, a hipocrisia do meio… Estava um final de tarde quente. Muito quente, como são os finais de tarde no Alentejo, mesmo muitas vezes os que acontecem em pleno outono. Na altura, seria verão. Tentava convencer orgulhosamente alguém de que o Alentejo me está no sangue, que viver sem ele seria castrarem-me parte da alma e que se pode ser alentejano sem se ser de raiz ou nascimento. Não se pode é ser alentejano porque está na moda ou porque é bonito ter uma casa pintada de azul e branco. É mais sério do que isso. É mais importante do que isso e é muito mais nobre do que isso… O tempo mete as coisas no lugar que entende, não necessariamente no certo, acho eu. Este meu Alentejo de verdade, onde me encontro sempre comigo, é pintado com estas cores. Há factos que nos amarram ao lugar. Não sei se é o cheiro, se são as pessoas, se sou eu, se é do meu sangue. O Alentejo será o meu lugar encantado sempre. Mesmo que o tempo mude, que as ideias mudem, que as pessoas mudem. Os meus sonhos vão passar pelo Alentejo. Pelas suas gentes, pelos lugares que me viram andar de um lado para o outro. Pelos olhos dos que passam por mim na rua e que vão envelhecendo com o calor estonteante e o frio gelado que o Alentejo recebe. O escaldar do alcatrão, o cheiro a terra batida, as casas caiadas de branco, o azul nos rodapés, uma cadeira pequena à porta e uma conversa que se ouve a manhã toda. A tarde toda. O dia todo. À noite, são os grilos. O Alentejo é parte da minha vida, porque não pode ser a vida toda. Sou um homem fechado dentro de uma concha, armado a “homem do mundo” que quando dá de caras com Ele percebe que os braços estão sempre estendidos, até para aqueles que acharam, um dia, que o Alentejo era menor. Eu reconheci-lhe valor assim que o senti. O Alentejo, que é um lugar de todos, passa a ser de cada alentejano quando se vive a verdade da terra. A tal terra a cheirar à gente que continua a meter a mãos nela. Na terra. Só assim se sabe a que sabe. Se a vida me der vida, que me dê tempo de olhar o Alentejo sempre de perto. Era a isto que me referia quando tanta gente ficou chocada, por esta semana ter dito que aos 50 anos me quero reformar. Quero ter tempo para ter tempo.
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