… Este fim-de-semana jantava com uma amiga e falávamos de coisas da vida. O balanço normal que se faz quando um ano chega ao fim e outro começa. As conversas entram umas pelas outras, e fala-se de tudo. Desabamos no amor. Sempre o amor! (ou a falta dele) Quando chegou o momento de dar um exemplo de uma relação, não pensámos duas vezes e quase ao mesmo tempo dissemos: Júlia Pinheiro! Para nós, naquele momento, naquele jantar, a expressão máxima de bonita história de amor à nossa escala era a Júlia Pinheiro e fomos divagando sobre as muitas teorias que se podem ter sobre uma história, que de facto, não se conhece por dentro, mas que se imagina… Hoje, de manhã, no programa, sem estar alinhado nem pensado (a propósito de uma fotografia que o filho Rui Maria partilhou), disse à Júlia que das coisas mais bonitas que tenho e guardo dela é a sua história de amor. Disse-o porque tinha a minha conversa de fim-de-semana muito presente e disse-o porque me irrita muito que não tenhamos a coragem de dizer às pessoas com quem trabalhamos todos os dias que há coisas que gostamos muito e nos ficam como referência para lá do que se vê além do óbvio. Eu não gosto do óbvio! Naquele momento e naquele jantar não me importou a Júlia apresentadora nem directora e hoje de manhã também não. Importou-me a Júlia que casou há 31 anos, cuja história tenho descoberto devagarinho numa mulher que me parece tão ‘embriagada’ de amor como se tivesse conhecido o marido a semana passada. Em abono da verdade, nunca me sentei com a Júlia no camarim a falar da sua relação, mas exactamente por isso imagino que o que digo e penso é verdade. Júlia fala do marido e da sua história nos momentos em que não se está à espera e aparece sempre com uma novidade, um orgulho, uma frescura, um brilho nos olhos que se abrem como dois faróis nos máximos para clarear tudo à sua volta, fá-lo fora da antena, quando não tem espectadores para avaliarem o que diz. Fá-lo porque lhe sai, lhe apetece, quando conta, por exemplo, orgulhosa que recebeu flores do seu amor. Depois, em conversas no programa, quando falamos de emoções – e falamos muito de nós em alguns segmentos – ela dá exemplos seus de prática quotidiana com a simplicidade de uma felicidade que se inveja, porque parece que é simples mas sabemos que não é. Eu invejo. Na verdade todos invejamos uma bonita história de amor, que está para lá do sucesso profissional que se tenha, da notoriedade que se conquiste, das arrelias que chegam todos os dias a casa transportadas pelos filhos, pelo homem do correio, pelos quilos que o tempo trás, das marcas que ficam na cara depois de se limpar um dia inteiro… Depois disso tudo, o amor fica. Fica num estado a que naquele jantar chamámos de ‘Júlia Pinheiro’, porque nunca tinha visto ninguém – e olhem que eu conheço muita gente – falar do marido com tamanha dose de equilíbrio na voz, que no caso dela, acolhe um tom diferente, mais suave, mais terno, aveludado. Parece que quer almofadar o que diz, para que nunca se parta aquele dizer. Eu conheço muitas histórias de amor. Amor arrebatador, amor de momento, amores que não resultam, amores que resultam de forma unilateral, mas é muito raro ver uma história assim. Eu sou muito romântico. Digo muitas vezes que não, para me defender. Eu adoro romances. Os que se escrevem, os que se filmam, os que se criam, os que se vivem, os que gostavam de ser vividos… Eu invejo uma história como a da Júlia, que terá naturalmente as arrelias lá dentro como qualquer outra, com contas para pagar, mau humor, dias difíceis, vontade de mandar tudo pela janela, papos nos olhos, estrias a rebentar, barrigas a crescer, filhos a chatear… mas que não fica beliscada no que me seduz dela quando a história vem à baila. Não ficou pesada, triste, cinzenta, amarga, acomodada. Continua leve. Parece-me leve. Hoje, a Júlia disse que o Rui (o marido) é responsável pelo sucesso do casamento de 31 anos. Claro que diz isto de forma irónica, que a responsabilidade para os sucesso e para o falhanço é sempre de ambas as partes, mas não deixa de nos chamar a atenção para algo muito importante – que só se atinge com a maturidade de quem tem mais de trinta anos de vida em comum – alguém tem de perceber que o caminho é em frente, quando eventualmente se achar que não. Depois, um agarra o outro pela mão e segue-se. Umas vezes sem parar, outras parando. Umas vezes cambaleando, rastejando, amparados pelos muros como se se estivesse num corredor sem fim, outras ao colo porque não se aguenta mais… mas segue-se. Segue-se em gargalhadas, em conversas de rotina, em silêncios, em coisas que se contam mil vezes e que o outro escuta com o entusiasmo de uma novidade, e como novidades que não trazem entusiasmo nenhum mas que são contadas só porque sim. O que importa é seguir. Não seguir por seguir, mas seguir com sentido. Seguir com amor e pelo amor. Faz-me a mim tanto sentido a história de amor da Júlia e do Rui. Era isto que eu gostava de deixar escrito, porque eu não sei se algum dia vou viver uma história assim, acho que gostava. Acho que gostava de um dia contar a um neto meu que tinha amado alguém durante tanto tempo e que fui amado com o meu feitio, com meu espaço, o meu silêncio, as minhas merdas… Mas que isso não tinha impedido de me sentir amado, com a força toda que um coração capaz de amar tem. Amar muito e muito tempo, como se não déssemos por ele a não ser quando olhássemos as fotografias onde se percebe que ele – o tempo – é implacável. Esta divagação toda por causa de uma fotografia. A que Rui filho publicou da Júlia mãe.
Leiam também um destes artigos:
SUBSCREVER E SEGUIR