… Façamos de conta que estamos aqui. Que é Verão e que estivemos com os pés numa água calma e quente. Façamos de conta que estamos bronzeados e que espero por vocês de manhã, antes de nos inundarmos em comida e gelados. Façamos de conta que sei os caminhos que não sei e que tolero dormir no mesmo quarto que vocês, numa rua barulhenta e cheios de calor no último dia desta viagem. Façamos de conta que não enjoamos com as ondas dentro de um barco a caminho do desconhecido, para fazermos de conta que não ficamos encharcados com a água da chuva que nos entra pelo corpo logo à chegada, nos lava a alma, nos mete em perigo e nos puxa pela força toda de tão pesada que a roupa fica. Ficamos de alma lavada mas sem ténis para os próximos dias … A Sandra é das que faz de conta. Das que pensa no que aconteceu, das que imagina um futuro melhor. Das que fica a olhar para as memórias. Temos isso em comum, por isso a entendo tão bem. É daquelas que acredita que o mundo de hoje pode ser de fantasia e que os amigos ficam para a vida, dê a vida às voltas que der, mesmo que não se falem durante mais de um ano como nos aconteceu. A Sandra faz hoje anos. Tem a vida em alvoroço há algum tempo, porque o desenho que a vida fez para ela não era igual ao esboço que ela tinha imaginado. Caiu uma quantas vezes e vai-se levantando de forma ligeira, porque nem tudo é tão mau como a cabeça dela pinta quando visto à distância. Ela vive com a intensidade de quem gostava de ser eternamente a menina que se encontra ao fim da tarde com os amigos para falar de rotinas, que não se importava de estar horas a embrulhar presentes para os outros, preparar listas, andar de mapa na mão, organizar coisas na expectativa de que todos gostem, apreciem e, acima de tudo, lhes dêem o mesmo valor. A Sandra foi a primeira a trabalhar comigo quando construímos uma maneira diferente de fazer ‘rosa’ em Portugal. Dedicou horas, tempo, teve arrelias, alegrias e chorou. Chorou porque lhe apeteceu chorar e porque chora muito. Chora e cora. Com o desenho da vida, a Sandra foi mantendo-se sempre por perto numa espécie de núcleo duro, que se aguenta como argamassa, mesmo que cada um estenda para seu lado. Agora voou para outro lugar. Quis quem lhe esboça os passos que fosse fazer anos a outro lugar, onde seguramente está a reconstruir-se. Antes, deu um salto grande e, a pessoa que tinha começado comigo, sentada num muro de rua, a tentar imaginar o que seriam as peças de um inovador ‘Jornal rosa’, viria a ser minha editora de estúdio. Ao ouvido, durante anos, foi a minha editora das manhãs e posso assegurar que me surpreendeu porque a sua capacidade de resolução, calma, segurança na régie, não tinha nada a ver com os passos que ela dá na vida, onde tem de ser mais segura, mais firme, mais decidida… É dedicada. Aplicada. Exagerada. Dramática. Atenta. Complicada e, como lhe chamo, ‘stressadinha’… As pessoas não são iguais a nós. São como a vida as desenha. O segredo das amizades longas é aceitar um e outro como são. A Sandra é desta forma e é desta forma que se gosta dela e, por se gostar dela, é que de vez em quando lhe damos abanões porque, por muito bem feito que o desenho esteja, no caminho, durante o esboço, parte-se o bico do lápis. É preciso parar, procurar o afia, afiar o bico e começar de novo. Muitas vezes precisamos de usar a borracha e apagar aquela parte do desenho que fazia sentido ao princípio, mas que deixou de fazer. Fica só a memória dele num papel branco, com um lápis afiado de novo, pronto para desenhar outra coisa qualquer. E outra, e outra, e outra se preciso for. As vezes que forem precisas. Aos amigos, cabe apreciar o desenho. A ela, fazê-lo… Parabéns, minha amiga!
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